O movimento Body Positive já mostrou que pode melhorar a autoestima, especialmente entre os mais jovens. Mas por que ele perdeu tanta força? Neste artigo, exploramos os avanços, contradições e desafios dessa tendência que dividiu opiniões (mas ainda faz falta).

Eu nunca me enxerguei como magra, nem quando tinha 19 anos e pesava 55 quilos. Cresci tentando me encaixar em roupas, em espelhos que pareciam sempre devolver uma imagem errada.
Durante anos, a relação com meu corpo foi marcada por culpa, comparações e tentativas de “conserto”. Foi só quando comecei a ter contato com o movimento Body Positive que percebi que talvez o problema não fosse meu corpo, mas tudo que me fizeram acreditar sobre ele.
O Body Positive surgiu como um respiro, uma proposta de reconciliação com nós mesmos. Mais do que amar cada centímetro do corpo (o que nem sempre é possível), ele nos convida a cuidar, respeitar e aceitar nossos corpos em todas as fases da vida. Mas, como todo movimento que ganha visibilidade, ele também passou por distorções, críticas e reconfigurações ao longo do tempo.
Neste artigo, vamos entender o que é de fato o Body Positive, sua história, porque ele se tornou tão popular, as polêmicas que abalaram sua credibilidade e por que, apesar de tudo, ele ainda é necessário.
O que significa ser Body Positive?
De forma resumida, com base no livro Embody: Learning to Love Your Unique Body, ser Body Positive é adotar um estilo de vida que nos dá permissão para amar, cuidar e sentir prazer no próprio corpo ao longo de toda a vida. Não se trata apenas de aparência, mas de desenvolver uma relação saudável e compassiva com o corpo, em qualquer fase ou forma que ele tenha.
As raízes do movimento: ativismo gordo e feminismo
Em 1973, foi lançado o Fat Liberation Manifesto, um marco na luta contra a gordofobia. O documento exigia igualdade de direitos para pessoas gordas em todas as áreas da vida e denunciava as indústrias do emagrecimento (a chamada cultura das dietas) como inimigas da libertação corporal.
Na mesma época, coletivos feministas gordos em cidades como New Haven e Boston se uniram ao grupo Fat Underground para ampliar o alcance do movimento ativista gordo e garantir que mulheres gordas fossem incluídas nas pautas feministas. Essa aliança foi essencial para tirar a luta contra a gordofobia da invisibilidade e colocá-la como uma questão política urgente.
Além de seu significado simbólico, o movimento Body Positive também teve impactos mensuráveis na autoestima de muitas pessoas. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW Sydney), publicada no periódico científico Body Image, demonstrou que o simples ato de acompanhar postagens Body Positive nas redes sociais pode melhorar significativamente a relação das jovens com seus corpos.
O estudo monitorou mulheres entre 18 e 25 anos que visualizaram conteúdos Body Positive diariamente durante duas semanas. O resultado foi claro: essas participantes relataram uma diminuição da insatisfação corporal e uma menor tendência a comparações físicas com outras pessoas.
Sua variante brasileira “Movimento Corpo Livre”
Não podemos falar sobre Body Positive sem mencionar a Alexandra Gurgel (jornalista, escritora e youtuber) é uma das figuras mais importantes do movimento Body Positive no Brasil, especialmente por trazer o debate sobre gordofobia estrutural para o centro das discussões públicas. Ela deu voz a um tema que era tratado de forma superficial na mídia e nas redes sociais, e ajudou a politizar a relação com o corpo, principalmente com o corpo gordo.
Ela ficou conhecida por seu canal no YouTube “Alexandrismos”, onde abordava temas como autoestima, aceitação corporal, feminismo e saúde mental. Sua linguagem acessível, direta e empática a tornou uma das principais vozes do movimento Corpo Livre sua versão brasileira do Body Positive com foco em justiça social.
Alexandra sempre defendeu que ser gordo não é sinônimo de ser doente, e que os corpos precisam ser respeitados em todas as formas e tamanhos. Seu ativismo vai além da simples aceitação estética. Ela fala sobre como a gordofobia é uma forma de opressão social e política, que afeta o acesso das pessoas gordas a direitos básicos como saúde, trabalho, mobilidade e dignidade.
No seu livro mais famoso “Pare de se odiar” fala sobre como as pessoas, especialmente as mulheres, aprendem a odiar seus corpos e como é possível reconstruir essa relação. Traz relatos pessoais, análises sociais e provocações.

Por que o Body Positive foi popular?
O movimento ganhou força nas redes sociais a partir de meados dos anos 2010. Celebridades e influenciadoras começaram a mostrar seus corpos “reais”, com estrias, celulites, dobras e outros aspectos que antes eram escondidos ou retocados.
Marcas também surfaram na onda, promovendo campanhas de moda mais inclusivas, com modelos fora dos padrões. Isso gerou identificação com o público, especialmente mulheres que por anos não se viam representadas na mídia.
A mensagem era poderosa: você não precisa mudar seu corpo para se encaixar, o problema é o padrão, não você.
Quais foram as críticas?
Com o tempo, o Body Positive passou a ser alvo de críticas. Como qualquer movimento, nunca pode ser perfeito e isso originou várias crises de reputação.
Especulações de romantização da obesidade
Além disso, surgiram preocupações de que a positividade corporal pudesse ser usada como argumento para negligenciar a saúde, alimentando o estigma de que o movimento “romantizava a obesidade” — crítica infundada, mas que ganhou espaço na mídia.
Corpo livre… mas dentro de certos padrões?
Outra crítica importante surgiu quando o movimento, especialmente nas redes sociais, passou a ser dominado por influenciadoras brancas, jovens, com traços considerados “aceitáveis” ou até mesmo desejáveis (como rosto simétrico, curvas proporcionais, pele lisa, boa condição financeira, etc). Ou seja, eram mulheres gordas — mas ainda assim vistas como atraentes dentro de certos limites estéticos.
Esse cenário levantou o debate sobre a falta de representatividade real dentro do Body Positive, excluindo pessoas pretas, trans, com deficiência ou que vivem em situações de maior vulnerabilidade social. O resultado? Um movimento que nasceu para ser inclusivo começou a reproduzir as mesmas dinâmicas de exclusão do sistema que criticava.
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Confusão entre aceitação e estagnação
Também surgiram críticas dentro da própria comunidade quanto à linha tênue entre aceitação corporal e comodismo. Algumas interpretações deturpadas do discurso Body Positive levaram à ideia de que “aceitar o corpo” seria o mesmo que se acomodar, desistir da saúde ou negar qualquer tipo de mudança. A mensagem “me amo como sou” acabou sendo caricaturada como “sou assim e não vou fazer nada”.
Esse tipo de visão simplificada acabou sendo usado como munição por críticos externos, e até como desculpa por marcas e influenciadores para manter discursos rasos, sem aprofundar debates importantes como saúde integral, saúde mental e autonomia corporal.
Como o Body Positive começou a perder credibilidade
A credibilidade do Body Positive começou a ser questionada quando o discurso deixou de ser centrado nas pessoas que sofrem diretamente os efeitos da gordofobia — e passou a ser apropriado por celebridades, marcas e influenciadores com pouca ou nenhuma vivência da marginalização corporal.
Polêmicas de famosos
Um dos casos mais emblemáticos foi o da cantora Lizzo, considerada um dos maiores ícones do movimento Body Positive. Durante anos, ela desafiou padrões, aparecendo com roupas justas, dançando, cantando e celebrando seu corpo em um espaço dominado por estéticas magras. Sua presença era revolucionária. No entanto, em 2023, Lizzo foi acusada por ex-dançarinas de sua equipe de criar um ambiente de trabalho tóxico e até de praticar gordofobia, ironicamente, o mesmo tipo de opressão contra o qual ela sempre se posicionou.
As denúncias incluíam desde humilhações públicas até comentários sobre o corpo e o peso de integrantes da equipe.

Ativistas radicais
Outro ponto que contribuiu para o desgaste do movimento foi o crescimento de uma ala considerada mais radical, especialmente fora do Brasil. Ativistas como a norte-americana Virgie Tovar passaram a defender posturas extremas, como negar os benefícios de praticar exercícios físicos ou manter uma alimentação equilibrada, o que gerou críticas tanto dentro quanto fora da comunidade.
A influenciadora mexicana La Fatshionista, conhecida por seu ativismo contra a gordofobia, também passou a adotar uma retórica mais combativa e controversa nas redes sociais. Suas declarações foram vistas por muitos como agressivas e distantes da realidade da maioria das pessoas gordas, com um discurso do tipo “tudo ou nada”. Isso acabou afastando parte do público e comprometendo sua credibilidade como porta-voz da causa.
Uma de suas falas mais polêmicas foi: “A cultura das dietas é violência patriarcal”, o que, para muitos, soou como uma rejeição absoluta à ideia de alimentação balanceada, ainda que o debate sobre a indústria das dietas seja legítimo.
Casos como esses contribuíram para a percepção de que o Body Positive estava se tornando um campo polarizado. De um lado, um ativismo esvaziado e comercial; do outro, um discurso inflexível e pouco acessível.
Emagrecimento de influencers plus-size
Outro ponto que gerou desgaste foi o emagrecimento de influenciadoras conhecidas por sua militância no Body Positive. A cantora Meghan Trainor, por exemplo, que ficou famosa com a música “All About That Bass” exaltando curvas e corpos grandes, passou por uma transformação corporal e mudou o foco do seu discurso para saúde e maternidade, abandonando a bandeira que a projetou.
No Brasil, a influenciadora e jornalista Alexandra Gurgel, fundadora do movimento “Corpo Livre”, também passou por um processo de emagrecimento e mudanças em sua imagem pública. Embora ela tenha mantido seu ativismo contra a gordofobia, uma parte da audiência passou a questionar sua legitimidade como representante do movimento.
Outro exemplo é o da bailarina e influenciadora Thais Carla, que sempre defendeu o orgulho gordo e a autonomia sobre o corpo. Apesar de seguir firme no ativismo, também enfrentou críticas e cobranças constantes sobre emagrecer, especialmente após ter passado recentemente por uma cirurgia bariátrica.

Body Neutrality como alternativa
Em resposta às críticas e ao desgaste do Body Positive, surgiu uma nova abordagem: o Body Neutrality. A neutralidade corporal propõe que a relação com o corpo não precisa ser necessariamente positiva o tempo todo.
A ideia é que você pode aceitar seu corpo como ele é, sem amar cada detalhe, mas reconhecendo que ele tem valor por tudo o que permite que você faça, como andar, dançar, abraçar, e não apenas pela aparência.
De acordo com Webmd, o movimento tem como foco de adotar uma perspectiva neutra em relação ao seu corpo, tanto em termos emocionais quanto físicos. Isso envolve não nutrir ressentimento em relação às ‘limitações’ do seu corpo nem dedicar tempo e energia para amá-lo excessivamente. Em vez disso, você pode escolher encontrar paz com seu corpo.
Essa abordagem tem atraído pessoas que se sentem pressionadas pela “obrigação” de amar o próprio corpo, oferecendo um caminho mais realista e menos emocionalmente exigente.
No final, está tudo bem se hoje você não se sente bonita. A vida também é feita de dias ruins é dias boms.
O Body Positive ainda é necesario?
Mesmo com críticas e evoluções, o Body Positive ainda é extremamente necessário, especialmente porque ainda moramos num mundo que valoriza a magreza acima da saúde.
Primeiro, porque a ideia de cultivar uma relação positiva com o corpo é importante para o bem-estar mental e emocional. Segundo, porque a gordofobia continua presente na sociedade em todas as esferas: da saúde ao mercado de trabalho, das escolas aos relacionamentos.
Segundo uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo Catho, no 2005, 65% dos presidentes de empresas tinham alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas.
Quase 20 anos depois, na hora de procurar empregos, uma pesquisa da UFMG mostra que 48% dos entrevistados já passaram por gordofobia no emprego e 60% se sentiram prejudicados em processos seletivos
Enquanto existirem pessoas sendo discriminadas devido a seus corpos, o movimento terá seu espaço. Talvez ele precise ser constantemente atualizado, mais inclusivo e menos mercantilizado, mas a essência permanece válida: todo corpo é digno de respeito e merece existir em paz.
E você, o que pensa sobre tudo isso?
O Body Positive passou por altos e baixos, críticas válidas e outras nem tanto. Mas uma coisa é certa: ainda vivemos em uma sociedade onde corpos fora do padrão enfrentam preconceito real… e isso precisa mudar.
Agora queremos saber se você acredita que o Body Positive ainda tem espaço hoje?
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